A Luta por Soberania Epistêmica no Sul: Uma Homenagem a Sam Moyo[1]
Praveen Jha, Paris Yeros e Walter Chambati[2]
Trad. Kenia Cardoso
Sam Moyo foi herdeiro da geração de pensadores pan-africanistas que lançou a base intelectual de uma África libertada e inaugurou uma nova vocação científica dedicada a restaurar a civilização africana em seu devido lugar. Sam foi treinado durante o ápice desse movimento no final dos anos 1970, e atingiu a maioridade intelectual quando o movimento sofreu um revés histórico, precisamente no momento em que os programas de ajuste estrutural promoveram um ataque à pesquisa, ensino e fontes autônomas de pensamento. Salários, orçamentos e pessoal foram cortados, enquanto a perspectiva de libertação foi estigmatizada, interrompida e cooptada (MKANDAWIRE, 1995, 2005; ONIMODE, 1988; MAMDANI, 2007). Dalí então, os ajustes neoliberais colocaram em sua mira a produção de conhecimento autônomo em todos os lugares, ao longo do Sul e, até mesmo, no Norte.
Sam tornou-se um pilar de resistência nas lutas subsequentes pela soberania epistêmica – e ele não estava sozinho. Sua principal fonte de força era o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (CODESRIA), do qual ele se tornou vice-presidente (1998–2001) e presidente (2008–2011), assim como uma série de iniciativas globais de base e perspectivas Sul-Sul, nomeadamente, o Fórum do Terceiro Mundo (FTM), no qual ele participou ao longo de muitos anos, Fórum Mundial para Alternativas (FMA), do qual ele se tornou vice-presidente para a África Austral, e a Rede do Sul Agrário (Agrarian South Network), que ele fundou. Em casa, no Zimbabwe, ele também fundou o Instituto Africano para Estudos Agrários (AIAS) em 2002, em outra conjuntura crucial, quando o movimento de libertação estava entrando em novo processo de radicalização.
Sam teve a rara habilidade de combinar luta de retaguarda em defesa de instituições existentes com iniciativas vanguardistas de construir novas capacidades e solidariedades para pesquisa autônoma na África e no Sul. De fato, Sam tinha forte convicção de que a reconstrução das ciências sociais tinha que ser iniciada da África e do Sul, para a África e o Sul, e para o mundo como um todo. Se não estava sozinho nisso, ele certamente tinha uma particularmente teimosa perseverança em estabelecer novos padrões epistêmicos para as gerações subsequentes.
A seguir, traçamos algumas das contribuições mais importantes de Sam, que continuarão a requerer reflexão. Nós, é claro, temos o benefício de declarações magistrais sobre a vida e trabalho de Sam já escritas desde sua morte.[1] De nossa parte, esperamos chamar atenção primeiro à trajetória de Sam na tradição pan-Africanista de economia política. Isso segue sendo importante porque Sam teve impacto em mais de uma tradição ou área de estudos, de modo que se corre o risco de perder de vista as origens pan-Africanistas de seu pensamento, ou até mesmo diminuir a tradição pan-Africanista ao assimilá-la em outras. Mesmo que, até o momento, não tenhamos um balanço apropriado do caráter e trajetória dessa tradição da economia política, Sam foi insistente em reconhecê-la e consciente de seu lugar nela. Nós iremos, em seguida, chamar atenção para o significado de seus posicionamentos nas questões fundiária, agrária e nacional do Zimbabwe. Além da coragem inspiradora e do rigor que ele demonstrava ao defender uma reforma agrária radical, seu papel foi fundamental para restaurar questões latifundiárias e agrárias à agenda de pesquisa global. Finalmente, traçaremos o papel de liderança de Sam na construção da solidariedade tricontinental em direção a uma agenda de pesquisa global e identificaremos alguns princípios epistemológicos que emergem.
A tradição Pan-Africanista da Economia Política
Sam Moyo foi treinado em, e mais tarde se tornou protagonista de um corpo distinto de pensamento em economia política que floresceu na tradição pan-Africanista depois da independência. A descolonização abriu um espaço sem precedentes para investimento e infraestrutura, incluindo para a construção de universidades e centros de pesquisa com o potencial de estabelecer uma agenda de pesquisa própria e treinar uma nova geração de intelectuais e planejadores de desenvolvimento. A missão nesses tempos eufóricos era nada menos do que a libertação total do continente, acelerado desenvolvimento e renovação civilizacional. E mesmo que a relação dos intelectuais pan-Africanistas com os Estados recém-independentes fosse repleta de tensão, a tradição que se formava se aventurou a pensar tanto a história da África quanto a mundial por apropriar-se de princípios de economia política em seus próprios termos, principalmente dentro do materialismo histórico. Ao fazê-lo, entrou em conflito com o prevalente cânone eurocêntrico e economicista que exerceu hegemonia dentro e fora da África, e impôs conceitos construídos de uma Europa idealizada ou, mesmo, de uma experiência asiática ainda com pretensões universalistas. Nas palavras de um dos principais pensadores pan-Africanistas, essa foi uma batalha para a “indigenização das ciências sociais”, consistente com as batalhas por libertação nacional e regional (MAFEJE, 1991:7, tradução nossa).
Ao lado de vários novos centros de pensamento que brotaram em capitais ao longo da África libertada, de Dar es Salaam a Ibadan e Dakar, também emergiu uma clara dinâmica continental e unificada na definição da agenda de pesquisa em economia política e seus termos de referência. De forma alguma isso implicou consenso, nem sua emergência suplantou intelectuais do Norte e expatriados e seus debates próprios (MKANDAWIRE, 2005). Tampouco, de fato, ganhou devido reconhecimento mundial como uma contribuição autônoma para as ciências sociais. De todo modo, essa dinâmica continental de fato resultou na fundação do CODESRIA em 1973, uma instituição que iria liderar o desenvolvimento das ciências sociais na África nos bons e maus momentos e contra as crescentes tendências autoritárias dos Estados neocoloniais. Nas décadas que se seguiram, o CODESRIA seguraria as pontas contra o ajuste estrutural por sustentar uma dinâmica progressista de pesquisa e treinamento, e promovendo a formação de novos centros e redes, ao longo de muitos campos, incluindo, mais notavelmente, estudos de gênero (MAMA, 2005).
Se ainda não temos o benefício de um balanço atualizado em relação à tradição pan-Africanista de economia política, podemos tentar esboçar alguns de seus contornos pelo menos a respeito da trajetória de Sam dentro dela. Não seria exagero dizer que Sam foi um dos agentes-chave em sua sobrevivência de uma geração para outra no curso das “décadas perdidas” de ajuste neoliberal. Ele abrangeu o que Mkandawire (1995) identificou como as “segunda” e “terceira” gerações de intelectuais africanos, e fez da sua missão criar instituições e capacidades que poderiam ser entregues às gerações seguintes. Sua trajetória pessoal o levou do Zimbabwe colonial primeiro a Serra Leoa nos anos 1970, para cursar sua graduação na Universidade de Njala. Essa foi, mais significativamente, sua primeira exposição às tradições intelectuais na África libertada (MOYO, M.P., 2016), bem como à organização marcadamente diferente das relações fundiárias e laborais prevalecentes alí em comparação à África de assentamento europeu. De Serra Leoa ele visitaria seu tio alocado no Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUD) em Dakar, onde Sam entrou em contato com luminares como Cheikh Anta Diop e Samir Amin. Ele também foi um visitante regular no Instituto para o Desenvolvimento Econômico e Planejamento (IDEP), de onde Amin, juntamente a Abdalla Bujra, Thandika Mkandawire, Zenebewerke Tadesse, Archie Mafeje, Mahmood Mamdani e outros, embarcaria na construção do CODESRIA, e onde o Fórum do Terceiro Mundo – uma pioneira rede tricontinental de intelectuais – também foi fundada. Esse foi precisamente o “batismo de fogo” que deu a Sam sua orientação epistemológica vitalícia.
Em seguida, Sam passou um curto período nos estudos de pós-graduação no Canadá na Universidade de Western Ontário, mas retornou à África Ocidental para pesquisa e ensino, dessa vez na Nigéria, nas Universidades de Calabar e Port Harcourt. Lá, conheceu o historiador trinitário-tobagense da África, David Johnson: um encontro de mentes que Sam sempre exaltou, e que, possivelmente, foi um momento chave para lançar a dimensão transatlântica de seu pan-africanismo e internacionalismo. Sam retornou ao Zimbabwe na independência de 1980 e nunca mais saiu por um período prolongado. Mais tarde, completou seu doutorado no Reino Unido na Universidade de Northumbria, mas ele permaneceu plenamente engajado na construção nacional no Zimbabwe num momento em que o resto do continente estava partindo em outra direção.
Em casa, ele foi uma figura chave no desenvolvimento do Instituto de Estudos em Desenvolvimento do Zimbabwe (ZIDS), onde se reuniu novamente com Mkandawire, secundado pelo CODESRIA. ZIDS foi pensado como um think tank autônomo depois da independência, reunindo pesquisadores jovens e veteranos para a construção de um novo Zimbabwe; Sam liderou pesquisa e promoção de políticas relacionadas especialmente a questões fundiárias e agrárias. Ele também fundou em 1986, com Yemi Katerere, a Organização de Pesquisa Ambiental do Zimbabwe (ZERO), um centro único para promoção de políticas ambientalistas na arena nacional e regional. Na década de 1990, Sam se tornou uma figura chave no desenvolvimento da Fundação da África Austral de Economia Política (SAPES Trust) liderado por Ibbo Mandaza, e seu programa de ensino no Instituto de Pesquisa para Estudos de Políticas da África Austral (SARIPS), do qual Sam foi diretor.
Num tempo em que a dinâmica intelectual em Dar es Salaam estava se arrefecendo (TANDON, ED. 1982; SHIVJI 1993), Harare forneceu um segundo fôlego para o conjunto de preocupações intelectuais em evolução no continente, e Sam estava plenamente envolvido nisso (MANDAZA, 1986). Harare atraiu para seus eventos e conferências intelectuais como Claude Ake, Samir Amin, Horace Campbell, Mahmood Mamdani, Issa Shivji, Dan Nabudere, Jacques Depelchin, Ben Magubane, Peter Ekeh e Patricia McFadden (RAFTOPOULOS, 2016). A criação da Associação Africana de Ciência Política (AAPS) adicionou impulso ao momento. Foi precisamente nesse ambiente que Sam começou a consolidar sua abordagem na questão da terra, com insights especiais sobre as trajetórias das relações fundiárias e de trabalho na África, para qual ele tomou especial inspiração de Archie Mafeje, seu reconhecido mentor (MOYO, 2018).
No entanto, na década de 1990, o ajuste estrutural aplicado no Zimbabwe começou a afetar tanto a autonomia do ZIDS quanto a vida acadêmica. Assim como muitos outros, Sam enfrentou os dilemas apresentados pelas condições deteriorantes para pesquisa e ensino em instituições estatais, e reuniu fontes de força no CODESRIA, bem como novas possibilidades em centros não-governamentais de pesquisa, ensino e ativismo, como o SARIPS e o ZERO. No entanto, esse terreno não-governamental foi, ele mesmo, instável e vulnerável à cooptação por doadores, realidade sobre a qual Sam tinha total consciência (MOYO, MAKUMBE e RAFTPOULOS, 2000). Ainda assim, ele deu um passo audacioso na virada do século para construir um novo instituto, o AIAS, dedicado às questões fundiária e agrária na África com uma perspectiva pan-africanista. Tais questões estavam sendo consideradas “mortas” por tendências intelectuais em vigor por todo lado – tanto por marxistas ocidentais quanto liberais, incluindo um pântano de neo-weberianos e pós-estruturalistas – ao mesmo tempo em que a perspectiva pan-Africanista estava sendo cooptada pelos ventos neoliberais varrendo a renascida União Africana e sua Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano (NEPAD). O próprio CODESRIA não foi poupado pela nova onda de abordagens teóricas e métodos, impulsionadas acima de tudo por um “giro cultural” que ameaçou sufocar os ganhos epistemológicos do passado. A iniciativa de Sam para fundar o AIAS na virada do milênio foi, portanto, uma aguda reafirmação de suas convicções.
Se a tradição pan-Africanista da economia política emergiu por várias preocupações em contraposição ao marxismo de inspiração ocidental, ela evoluiu nos anos 1990 contra o giro cultural. O desafio que essa onda apresentou não resultou em recuo, mas numa renovada luta de retaguarda e vanguarda. Sam se tornou vice-presidente do CODESRIA nessa etapa e esteve plenamente engajado em defender a orientação da instituição (MAMDANI, 2015). E, como se isso não fosse suficiente, as contradições escalaram em casa também. Em fevereiro de 2000, um movimento de ocupação de terras em massa liderado por veteranos da guerra de libertação reacendeu o radicalismo do movimento de libertação para iniciar um programa radical de reforma fundiária acelerada (Fast-track Land Reform Programme). Sanções ocidentais e uma prolongada desestabilização se seguiram enquanto o marxismo de inspiração ocidental e liberais de diferentes vertentes, culturalistas inclusos, cerraram fileiras com as sanções imperialistas contra a reforma fundiária. O recém-nascido instituto de Sam teve financiamento negado e foi ativamente rechaçado pelas agências do Atlântico Norte e elementos coloniais assentados na região por conduzir honesta e rigorosa pesquisa que demonstrou, contra a guerra ideológica travada, que uma verdadeira reforma fundiária havia tomado lugar no Zimbabwe. Mas Sam novamente esteve por romper o isolamento via CODESRIA, até mesmo, eventualmente, para ser eleito seu presidente, e via várias iniciativas Sul-Sul, como a que conduziu à Rede Sul Agrário. Essas opções não resolveram a situação financeira de seu instituto, porém forneceram a Sam solidariedade intelectual e certa medida de sanidade.
A perspectiva e agenda de pesquisa que Sam representava não poderiam tão facilmente ser suprimidas, afinal. De forma mais geral, é notável que a sobrevivência da tradição pan-Africanista da economia política tenha se apoiado na sua capacidade de refletir sobre suas próprias contradições e silêncios que continuaram a torná-la vulnerável a críticas e a desafiar suas credenciais de libertação, mais notadamente em relação ao patriarcado e à questão de gênero. É aqui que o avanço culturalista-liberal também reuniu forças ao buscar desacreditar a perspectiva anti-imperialista. Sam foi um daqueles que “reconheceu a necessidade de abraçar a teoria crítica de gênero/feminista nos estudos agrários” (MBILINYI, 2016:165), e podia contar com ele para fazer avançar a agenda feminista nas redes nas quais ele estava envolvido e ocupava altos cargos. De fato, a análise de gênero havia sido uma característica recorrente de seu trabalho na questão da terra, mesmo que não apoiado por teoria robusta (MOYO, 1995a, 2008; ver também OSSOME, 2020).
Sam foi uma boa parte da “cola” que manteve tudo isso conectado, um “pilar saliente” na infraestrutura institucional das ciências sociais africanas (MKANDAWIRE, 2015, tradução nossa). Ele era consciente da tradição intelectual a qual ele pertencia e confiante em sua habilidade de levantar à altura dos desafios do século XXI. Ele tomou de seu principal mentor, Archie Mafeje, sua apreciação da particularidade das formações sociais africanas, ou seja, o sistema de organização social baseado na linhagem, o qual, de uma maneira ou de outra sobreviveu sob os modos tributários e capitalistas de produção (MAFEJE, 1991). Para Sam, como Mafeje, era impossível pensar no desenvolvimento africano sem colocar o campesinato africano no centro da questão nacional, incluindo sua particular relação com a terra por meio da posse consuetudinária. Enquanto isso, Sam permaneceu consciente da percepção de Samir Amin (1976) de que a integração da África à economia mundial coloca pressão sistêmica no controle que o campesinato africano detém sobre terra e trabalho, seja pelo atrito de trocas desiguais ou por ondas de alienação de terra. Ele também tirou de Amin a elaboração conceitual mais abrangente das três macrorregiões coloniais da África, ou seja, as economias mercantis camponesas da África do Oeste, as economias extrativistas concessionárias da África Central e as reservas de mão-de-obra no Sul do assentamento colonial europeu. Isso o habilitou desenvolver sofisticação em sua própria análise das questões de terra, de trabalho e agrária em África. Sam inspirou-se ainda em Issa Shivji (2009a), que permaneceu atento à evolução da base legal da posse consuetudinária depois da independência, insistindo que as mudanças constitucionais em curso estavam minando diretamente a posse consuetudinária e o controle do campesinato sobre a terra e o trabalho. Finalmente, a prolongada colaboração de Sam nos anos 1990 e 2000 com pesquisadoras feministas como Patricia McFadden e Rudo Gaidzanwa em Harare, e Zenebewerke Tadesse e Dzodzi Tsikata no CODESRIA, aferiu-lhe mais completa apreciação do fundamento de gênero nas relações de terra e de trabalho e sua evolução ao longo das três macrorregiões.
Tais fios eventualmente se juntaram à tese máxima de Sam, publicada pelo CODESRIA (MOYO, 2008), que sob a reestruturação neoliberal a questão da terra na África havia finalmente adentrado em nova fase, uma de difundida alienação de terras e conflitos, mesmo na África sem experiência prévia de assentamento colonial, juntamente a uma crescente questão de terra rural-urbana derivada da crise agrária e da migração rural-urbana. É importante enfatizar que ele chegou a essa conclusão antes do início da nova onda de estrangeirização de terras em larga escala, que, a partir de então, gerou uma indústria editorial liderada pelo Norte, tipicamente ignorante sobre as trajetórias de pensamento sobre a questão de terra no continente. No entanto, a colaboração de Sam nos anos 2000 com Ben Romadhane, Kojo Amanor, Dessalegn Rahmato, Bernard Founou-Tchuigoua, Abdourahmane Ndiaye, Dzodzi Tsikata, Yakham Diop e muitos outros no CODESRIA levou a análise da questão da terra – e da tradição da economia política em si – a um novo nível, integrando uma larga gama de preocupações, desde as organizações camponesas e o desenvolvimento sustentável até as relações de trabalho e gênero (MOYO e ROMADHANE, 2002; AMANOR e MOYO, 2008; FOUNOU-TCHUIGOUA e NDIAYE, 2014; MOYO, TSIKATA e DIOP, 2015).
No geral, esse corpo de trabalho sugere que as trajetórias macrorregionais na África têm estado em transição em direção a novos padrões de acumulação, decorrentes da nova apropriação de terras e recursos, da diferenciação em curso no campo e da persistente crise de reprodução social de uma reserva de mão-de-obra em expansão a nível continental. Tal diagnóstico é uma chamada de alerta para o planejamento do desenvolvimento e um que requer que a tradição de economia política continue a evoluir na construção de alternativas. O mesmo diagnóstico é não menos uma contribuição para nosso entendimento da economia mundial e de suas formações sociais periféricas – a larga maioria da população mundial – que está constantemente sendo reconfigurada ao longo do Sul. Graças a essa tradição, temos um melhor entendimento dentro da economia política da dinâmica da crise da reprodução social que afeta a classe trabalhadora da África e do Sul; a relação íntima entre terra, trabalho e gênero na produção e reprodução; a exigência de que terra, agricultura e meio-ambiente movam-se para o centro das alternativas de desenvolvimento; e, de fato, o imperativo de que a luta de libertação permaneça uma luta contra o imperialismo.
As questões fundiária, agrária e nacional do Zimbabwe
A dinâmica intelectual a nível continental entrou em sinergia com o trabalho de Sam sobre o Zimbabwe. Sam voltou para o seu país depois de 1980 para se dedicar à pesquisa e ao ativismo em relação às questões fundiária e agrária. Ele foi um escritor prolífico – e não havia, virtualmente, assunto sobre desenvolvimento que fosse desafiador o bastante para ele. Durante os dez anos seguintes, investigou as complexidades da questão fundiária sob condições de assentamento colonial (MOYO, 1987, 1995b), a produtividade dos grandes fazendeiros e dos camponeses (WEINER, MOYO, MUNSLOW e O’KEEFE, 1985), coletivos agrícolas (MOYO, SUNGA e MASUKO, 1991), o meio-ambiente regional (MOYO, SILL e O’KEEFE, 1993; MIDDLETON, O’KEEFE e MOYO, 1993), relações de gênero (MOYO, 1995a, 2000), democracia (MOYO, 1999), mudança no uso da terra sob ajuste estrutural (MOYO, 2000), trabalhadores rurais (MOYO, RUTHERFORD e AMANOR-WILKS, 2000), organizações não-governamentais (MOYO, MAKUMBE e RAFTOPOULOS, 2000) e movimentos sociais (MOYO, 2001, 2002).
O que distinguiu Sam ao decorrer de sua trajetória intelectual foi a insistência de que em uma ex-colônia de assentamento europeu, a questão fundiária permanecia no cerne tanto da questão agrária quanto nacional, e, como tal, era o ponto de partida para qualquer caminho de desenvolvimento alternativo. Isso o colocou em rota de colisão com as tendências intelectuais dos anos 1990, cujos conceitos e métodos sistematicamente minimizaram as reivindicações de terra dos pequenos produtores enquanto também negavam as aspirações populares de libertação nacional. Para os marxistas ocidentais, a questão agrária era agora redutível a uma mera questão “de trabalho” (BERNSTEIN, 2006), enquanto liberais de várias vertentes vislumbravam um futuro em “participação comunitária”, como em reformas fundiárias “conduzidas pelo mercado” ou na “administração” de recursos naturais (MOYO, 2000; ver também AMANOR, 2020). Essas tendências intelectuais serviram essencialmente para justificar a dominação pelos colonos assentados e preservar as condições neocoloniais para o benefício do capital estrangeiro e dos colonos.
Os mesmos ventos de reação procuraram deslocar a análise da situação neocolonial com uma dicotomia simplista de “autoritarismo versus democracia” conveniente a todos: neogramscianos, neoweberianos, neoliberais da teoria da escolha racional e pós-estruturalistas. A insistência de Sam de que a sociedade de assentamento colonial tinha sua base material nos monopólios econômicos criados pelo colonialismo, especialmente sobre a terra, colocá-lo-ia novamente em conflito direto. Essas abordagens divergiam amplamente ao longo de um espectro ideológico desde o individualismo à análise de discurso, porém todos eles compartilhassem desdém pela análise das estruturas econômicas do domínio neocolonial. Portanto, quando a reforma agrária eclodiu em 2000, eles cerraram fileiras, quase sem hesitação, em torno de uma agenda de “direitos humanos” em defesa do privilégio branco.
Sam tinha clareza que a supremacia branca permeava todos os aspectos da vida social e cultural, mas também que ela tinha que ser derrotada como sistema econômico. Sua crítica à raça desafiava diretamente o discurso através do qual os monopólios dos colonos operavam. Sua análise do capitalismo de assentamento colonial abordou, primeiro, o mito da “produtividade” da agricultura branca de larga-escala, o setor que dependia persistentemente da intervenção estatal colonial e de recorrente resgate em tempos de crise. Tal suporte nunca estava disponível ao campesinato; muito pelo contrário, as estratégias de acumulação vindas debaixo vieram a ser sistematicamente reprimidas. Portanto, Sam denunciava o “sucesso” do colono como um produto da expropriação colonial de terras, seguido por infindáveis subsídios estatais, proteções e investimentos em estradas e irrigação e, acima de tudo, a criação de um sistema de trabalho barato baseado na superexploração do trabalho negro (MOYO, 1987, 1995b). Ele também ressaltou que mais da metade das terras dos fazendeiros nos anos 1980 estava ociosa para fins especulativos, sem qualquer uso produtivo (WEINER et al., 1985; MOYO, 1995b). Então, na década de 90, Sam foi um dos primeiros a observar que as políticas de ajuste estrutural forneciam novas possibilidades de acumulação para os colonos (MOYO, 2000). Eles agora eram capazes de usar terras subutilizadas para parques de safari atendendo à indústria global de turismo, assim como terras aráveis para culturas “não-tradicionais” voltadas à exportação, como frutas frescas, vegetais e flores de corte. De novo, nada disso era acessível ao campesinato.
O segundo mito que Sam desafiou estava relacionado à “passividade” do campesinato em relação à terra. A tendência intelectual nos anos 1990 era a de negar a existência de reivindicações camponesas por terra, ou, de outra maneira, culturalizá-las como um espetáculo antropológico regionalizado ou historicamente descontínuo. Em resposta, Sam elaborou um arcabouço para a análise da vazante e do fluxo das ocupações de terras pelo campesinato em escala nacional depois da independência (MOYO, 2001, 2002; ver também MURISA, 2016). Estas variaram de ocupações de terra “de baixo perfil mas de alta intensidade” em 1980–83, nas fazendas abandonadas pelos colonos durante a guerra de libertação; a ocupações de “baixo perfil e baixa intensidade” em 1984–1996 em terras diversas, privadas e estatais; a ocupações de ‘alto perfil mas de baixa intensidade” em 1997–98 em fazendas coloniais listadas para aquisição pelo Estado; às ocupações de “alto perfil e alta intensidade” de 2000, que finalmente levaram a aquisição em larga escala sem compensação de 9 milhões de hectares de fazendas, em acréscimo aos 4 milhões de hectares que haviam sido adquiridas até aquele momento. Essa análise virou o jogo sobre aqueles que buscavam estigmatizar a reforma fundiária fast-track dos anos 2000 como um jogo oportunista de poder perpetrado por um partido nacionalista moribundo desprovido de conteúdo popular. Para aqueles que haviam minimizado ou relativizado a questão da terra, a reforma fundiária só poderia ser “impopular”.
Houve um elemento adicional que entrou na batalha no curso da reforma fundiária: a aspirante burguesia negra que havia sido efetivamente banida pelos monopólios coloniais. Para Sam, isso apenas demonstrava o quão difundida a demanda por terras de fato estava, para além do campesinato. Enquanto o discurso colonizador e imperialista taxava as demandas de terra da burguesia emergente como prova de “corrupção” ou de uma política “antipobre”, ele viu a emergência da burguesia negra como um importante fato político com legitimidade de si, e que, ainda, apresentava potencial econômico dentro de uma introvertida estratégia nacional de acumulação.
Para Sam, o caráter da burguesia negra não era dado a priori, e, de fato, dependia das relações de força com o campesinato. Acima de tudo, ele considerava o campesinato o único agente capaz de um caminho alternativo de desenvolvimento. Ele insistiu que o campesinato permaneceu um agente “não testado” para a transformação social apesar da falha histórica de todos os outros agentes, capitalistas estrangeiros e nacionais. Isso explica a devoção ao longo da vida de Sam à análise do campesinato, e também explica o caráter de classe de seu Pan-africanismo: ou o Pan-africanismo seria para o campesinato ou seria incapaz de atingir seu potencial. Isso se estendeu ao Sul como um todo: seria apenas possível reivindicar seu lugar de direito contra o Norte se atentasse à via camponesa. Indubitavelmente, Sam viu na revolução chinesa uma experiência histórica que havia verdadeiramente testado o campesinato durante o tempo e com inquestionável sucesso.
Tudo isso diferenciava Sam das tendências nos “estudos do campesinato” (peasant studies) que, dos anos 1990 em diante, transformou o campesinato em uma curiosidade intelectual ou objeto de pensamento agroecológico. Ele concordava que o imperialismo havia encurralado o campesinato numa função de produção de commodities; ainda assim, entre a subsunção formal e real do trabalho ao capital, permaneceu na virada do milênio todo um mundo que se recusou a ir embora e precisou ser compreendido. Sam não aderiu às tendências intelectuais que emanavam do Norte mesmo que ganhassem amplo alcance no Sul; ferramentas científicas teriam a sua prova em sua habilidade de servir à libertação nacional. E no milênio, a re-radicalização do Zimbabwe foi o teste de tornassol. O capitalismo realmente existente, para Sam, tinha um campesinato em seu meio, e a África se encontrava no centro daquilo! Não havia questão de desejar que o campesinato sumisse ou que se subordinasse um plano “superior” – tão chamado “socialista” ou “agroecológico”.
Seu engajamento intenso com a questão da terra no Zimbabwe permitiu a Sam desfazer vários outros mitos relacionados ao caráter do campesinato, que podem ser resumidos da seguinte forma. Primeiro, o campesinato está profundamente enredado na produção de commodities, mas a fazenda camponesa não é um mero negócio. Isso torna os “produtores agrícolas” (farmers) na África e no Sul substancialmente diferentes de seus supostos homônimos no Norte. O campesinato se apoia em valores de troca, mas também extensivamente nos valores de uso extraídos dos bens comuns que fornecem pasto, lenha, água e outros recursos naturais. Segundo, terras camponesas são usadas não apenas para produção, mas também extensivamente para a reprodução da casa, este sendo essencialmente o único sistema de proteção social disponível para o campesinato. Isso explica porquê o campesinato persiste, até mesmo se expande, em tempos de crise econômica generalizada, o que, de outra maneira, torna tanto do empresariado capitalista em pó. Terceiro, tanto o acesso à terra quanto a mobilização do trabalho são altamente diferenciadas dentro do domicílio, o qual é caracteriza-se por uma persistente divisão sexual do trabalho. Patriarcado e patrilinearidade, que nunca são os verdadeiros objetos de políticas públicas e fundiárias neoliberais, perpetuam a opressão da mulher e fornecem subsídio sistemático ao capital compensando os custos da reprodução social nos ombros especialmente das mulheres e crianças. Quarto, o campesinato é diferenciado entre “ricos”, “médios” e “pobres”, o que é determinado por padrões de uso do trabalho, tamanhos das terras e rendas obtidas fora da fazenda ou agricultura. O campesinato pobre, de longe a maior classe agrária na África e no Sul, sobrevive por abranger variadas atividades agrícolas e não-agrícolas ao longo da divisão rural-urbana, até mesmo fronteiras internacionais. As mulheres são geralmente as mais pobres dos pobres do que é essencialmente uma reserva de mão-de-obra global em expansão, reproduzindo-se sob condições semiproletarizadas pelo trabalho pago e não-pago, dentro e fora da agricultura, produtivo, improdutivo ou reprodutivo. Quinto, e finalmente, o campesinato pobre é onde a política de real consequência ocorre. Processos eleitorais e partidos políticos precisam do campo para votos, enquanto organizações religiosas, sindicatos, movimentos sociais e ONGs disputam os corações e mentes desse semiproletariado para diversos projetos políticos, frequentemente de caráter suspeito senão reacionário.
Enquanto outros podem ter visto em tudo isso um mundo desgracioso, Sam viu nele o único ponto de partida para o desenvolvimento e a estabilização da força de trabalho. Aqui é onde o planejamento do desenvolvimento, ele insistia, precisava focar, garantindo acesso a terra para ambos, produção e reprodução tanto nas áreas urbanas quanto rurais, e investindo na melhoria técnica da agricultura e infraestrutura rural, estradas e irrigação objetivando a acumulação “de baixo”. Sam não se iludiu com o pensamento “ecológico”, que poderia facilmente ser apropriado, ou mesmo com as tendências “agroecológicas”, que, uma vez mais, transformaram a libertação nacional em um subconjunto de outra causa. Ele observou o óbvio: que o campesinato pobre na África sempre teve um pé na agroecologia devido ao mero fato de seu baixo poder de compra ter sempre tornado insumos químicos e outros inacessíveis. O que era necessário, Sam argumentou, era uma estratégia de integração do mercado doméstico, junto a um plano nacional e regional de soberania alimentar, baseado em níveis qualitativamente superiores de consumo e reprodução social (MOYO, 2015). No caso do Zimbabwe, nada disso seria jamais possível sem a derrubada do monopólio dos colonos. De modo geral, Sam viu no campesinato toda uma gama potencial de desenvolvimento, incluindo sua capacidade de absorção de mão-de-obra, cooperativismo espontâneo, versatilidade na produção, baixa demanda de energia e zelo pelo equilíbrio ecológico. Tudo isso exigia apoio público para capacitar um campesinato emergente a funcionar em sinergia positiva com as indústrias domésticas e salários, e padrões mais altos de consumo e reprodução.
Nos anos 2000, Sam possivelmente enfrentou o mais importante desafio de sua vida, o momento da verdade sobre as questões da terra, agrária e nacional. Ele havia sido a figura central nos debates para política nacional sobre a questão da terra, então foi naturalmente propelido à frente em 1997 quando o governo do Zimbabwe (GZ) listou 1.471 fazendas por aquisição compulsória. Em junho de 1998, o GZ publicou um arcabouço de políticas para a aquisição de terras e reassentamento, e uma conferência internacional foi convocada em setembro com governos estrangeiros, doadores e agências internacionais lideradas pelo PNUD. Uma onda de ocupações de terra eclodiu tendo como alvo essas fazendas numa demonstração de força. O PNUD conduziu um estudo que contava com a competência de Sam e de sua equipe de pesquisa no SARIPS, mais notavelmente o Prosper Matondi, porém a sequência de eventos políticos fez escalar o processo de radicalização para além dos pormenores das conferências internacionais. A escalada foi marcada pela recusa do governo do Reino Unido em reconhecer “responsabilidade especial” como um poder ex-colonial pelos custos de compra da terra. Enquanto isso, os sindicatos de base urbana mas fora do partido dirigente e veteranos de guerra de base rural mas dentro do partido entraram em curso de colisão que encontrou seu destino em 2000, quando um referendo foi realizado para uma nova constituição que, entre outros assuntos polêmicos, incluiu uma cláusula sobre aquisição compulsória sem compensação. A proposta constitucional foi rejeitada, levando à eclosão de ocupações de terra em massa em fevereiro, e radicalização do movimento de libertação e do próprio aparato estatal (MOYO 2001; MOYO e YEROS, 2005a, 2007a, 2007b, 2009, 2011, 2013; MOYO e CHAMBATI, 2013).
A internacionalização e a polarização da “questão do Zimbabwe” que se seguiram trouxeram para a centralidade dilemas perenes relativos a mudanças estruturais na periferia. De fato, esse foi inquestionavelmente o caso mais importante de radicalização no pós-Guerra Fria, para além das experiências Sul-americanas. Ademais, ele também revelou muito sobre o estado das ciências sociais e os problemas de produção de conhecimento, senão também as armadilhas da política “progressista” ao redor do mundo. As ciências sociais foram pegas despreparadas, tendo sido profundamente transformadas pelo neoliberalismo e seus parceiros de viagem culturalistas. Se duas décadas antes esse momento teria sido analisado como uma revolta contra o neocolonialismo, agora ele era um mero caso de “autoritarismo”, “má administração”, “nacionalismo moribundo”, “capitalismo clientelista” e “corrupção”. Além disso, a pesquisa sobre reforma fundiária foi também proibida ou condicionada: quem quer que produzisse dados que não corroborassem com a linha anglo-americana seria taxado de “fantoche de Mugabe” e teria qualquer possibilidade de financiamento e veículos de publicação negada. Durante muitos anos, Sam e o time no AIAS caminharam sozinhos, com poucos fundos entrando, lutando para permanecer fora da quarentena internacional.
Sam manteve sua distância das contradições e intrigas do partido dirigente enquanto permanecia um firme crítico da “oposição” neoliberal. Nada disso foi estrada fácil de se seguir. Mas ele permaneceu disponível para prover expertise a qualquer um que solicitasse, de acordo com seus próprios princípios. Das organizações internacionais, à parte da PNUD, o Banco Mundial o cortejou. Ele também proveu expertise para a Comissão Presidencial de Reforma Fundiária (Comissão Utete), responsável pela verificação do resultado redistributivo, e para diálogos em nível provincial e da sociedade civil. Adicionalmente, o time na AIAS, que durante os anos incluiu um grupo estelar de jovens pesquisadores, tanto empregados ou associados – nomeadamente, Walter Chambati, Tendai Murisa, Dumisani Siziba, Charity Dangwa, Kingstone Mujeyi, Ndabenzinhle Nyoni, Wilbert Sadomba, Freedom Mazwi, Rangarirai Muchetu, Steven Mberi e Grasian Mkodzongi – nunca cessaram de produzir relatórios com o pequeno financiamento que chegava, bem como suas teses de mestrado e doutorado sobre os resultados sociais e econômicos da reforma fundiária. Esse esforço inicial de uma década inteira culminou em uma publicação de classe mundial sobre a transformação agrária depois da reforma fundiária via um levantamento de dados primários em escala nacional (national baseline survey) que foi concebido e executado pelo time do AIAS (MOYO et al., 2009). Ele recebeu apoio institucional e de pesquisa da Embaixada Real da Noruega e da Fundação Kellogg. A pesquisa demonstrou em detalhes meticulosos que a reforma fundiária serviu à justiça social e reparação histórica. O esforço de pesquisa estendeu-se para um Grupo de Trabalho Nacional apoiado pelo CODESRIA, que publicou um livro co-editado por Sam e Walter Chambati (MOYO e CHAMBATI, 2013).
Entre estudiosos situados no Norte, um dos poucos e iluminados exemplos de pesquisa sistemática desenvolvida sobre a reforma fundiária foi por Ian Scoones e sua equipe no Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS), em Sussex, no Reino Unido. A publicação de seus trabalhos (SCOONES et al., 2010) marcou uma détente na comunidade científica e o início da “normalização” da pesquisa sobre a reforma fundiária do Zimbábue. O estudo do IDS foi publicado logo após o baseline survey do AIAS e corroborou os resultados do time do AIAS. Não obstante, também demonstrou que a “verdade” era ainda inalcançável na África, requerendo a validação do Norte. Além disso, a trajetória dessas publicações era marcadamente diferente: até hoje, permanece sendo uma surpresa ver referências aos estudos do AIAS mesmo que eles tenham circulado amplamente em formato digital, em contraste com as frequentes citações feitas ao estudo IDS, que foi publicado em livro no Atlântico Norte e na África Austral. De fato, o primeiro reconhecimento público real da equipe do AIAS veio de um não-especialista em assuntos Zimbabuanos, ninguém menos que Mahmood Mamdani, em seu artigo “Lições do Zimbabwe” publicado na London Review of books em dezembro de 2008, que causou enorme comoção internacional e muito possivelmente preparou o cenário para a détente subsequente (MAMDANI, 2008; MOYO e YEROS, 2009).
Muito mais poderia ser dito sobre as políticas de produção de conhecimento. As principais revistas especializadas em assuntos agrários e estudos africanos no Norte e outras consideradas “progressistas” geralmente tinham grande dificuldade em reconhecer autoridade nessa tradição Pan-africanista de economia política que Sam representava. O Journal of Agrarian Change publicou seu primeiro dossiê temático precisamente sobre a questão do Zimbabwe, mas sem incluir aqueles que foram mais sistematicamente empenhados no estudo desse tópico, nomeadamente Sam e a equipe do AIAS. Quanto ao Journal of Peasant Studies, passara uma década antes de se interessar pelo trabalho de Sam sobre o Zimbabwe, a ponto de convidá-lo a escrever sobre os resultados da reforma fast-track. (MOYO, 2011a, 2011b). A Review of African Political Economy não foi muito mais rápida, publicando um artigo em co-autoria anos depois do início da fast-track, e outro escrito por Sam no final da década (MOYO e YEROS, 2007a; MOYO, 2011c). Ainda, outra experiência foi a da Historical Materialism, que tardiamente publicou um artigo em co-autoria (MOYO e YEROS, 2007b), mas também organizou uma edição especial sobre África sem nenhum interesse na experiência do Zimbabwe ou na tradição Pan-africanista de economia política. Por sua vez, a Monthly Review permaneceu em silêncio sobre a questão do Zimbábue ao longo desse duradouro período, exceto por um artigo de intervenção em sua revista de edição digital depois do episódio de Mamdani (MOYO e YEROS, 2009). Essa dura realidade funcionou como pano de fundo para a decisão de fundar a Agrarian South: Journal of Political Economy em 2012, uma revista independente Sul-Sul de economia política, mobilizando redes tricontinentais que eram agora extensivas e profundas o suficiente para sustentar tal alternativa.
Vale a pena notar, por fim, que se a comunidade científica do Atlântico Norte não estava desejosa de uma reforma agrária nacionalista radical na África, tampouco estava a maioria dos movimentos sociais da era “antiglobalização”. Essa situação foi observada em meados dos anos 2000 (MOYO e YEROS, 2005). Com a exceção da África do Sul, cujo movimento sem-terra apoiou a fast-track, não havia suporte notável do sindicalismo internacional ou mesmo da ascendente internacional camponesa, La Via Campesina (VC). Se a postura do sindicalismo podia geralmente ser explicada pela cooptação pós-Guerra Fria dos sindicatos do Sul pelo sindicalismo social democrata/liberal do Norte, o que poderia explicar o silêncio da Via Campesina? A VC conservou um “ponto cego” ideológico derivado de seu comprometimento com a aliança Norte-Sul, bem como da esquerda “daltônica” da América Latina de assentamento colonial que agregou substância ideológica à VC. Isso explica o lugar de destaque dado à agroecologia como um princípio ideológico e programático, contra o fato histórico de que o campesinato do século XX foi o coração e alma dos movimentos de libertação. O movimento de ocupação de terras do Zimbabwe, o movimento mais importante pós-Guerra Fria, ficou subitamente fora do radar ideológico.
Construindo solidariedade tricontinental para uma agenda gobal de pesquisa
Como se a liderança de Sam na construção de capacidades institucional e de pesquisa na África e Zimbabwe não fossem suficientes para uma vida, ele também avançou numa série de iniciativas para a construção da cooperação Sul-Sul. Como vice-presidente do CODESRIA no início dos anos 2000, ele representou-o em Buenos Aires e Havana em reuniões feitas com outras organizações da África, Ásia e América Latina, nomeadamente, o Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), a Associação Africana de Ciência Política (AAPS), a Organização para Pesquisa em Ciência Social na África do Leste e Austral (OSSREA), a Associação Asiática de Estudos Políticos e Internacionais (APISA) e a Rede de Estudos de Conflito do Sudeste Asiático (SEACSN). Com o apoio de Atilio Boron e Adebayo Olukoshi, os secretários executivos do CLACSO e do CODESRIA, respectivamente, Sam foi indicado juntamente à Gladys Lechini da CLACSO para rascunhar um programa compreensivo para a cooperação trilateral Sul-Sul (ver LECHINI, 2020). Isso rendeu conferências internacionais, workshops e institutos de verão, bem como publicações de livros, papers etraduções. Essa foi a convergência mais importante das comunidades cientificas continentais ao longo do Sul nos anos 2000.
Mais tarde, na mesma década, como presidente do CODESRIA, Sam supervisionou o estabelecimento do Instituto Afro-Árabe, assim como iniciativas para a construção de vínculos com as comunidades científicas da China e da Índia (ver TSIKATA, 2017). Ao decorrer dos anos 2000, Sam permaneceu ativo nos programas do Fórum do Terceiro Mundo (FTM) e do Forum Mundial para Alternativas (FMA) liderado por Samir Amin, e colaborou na iniciativa da FMA relacionada à questão agrária (HERRERA e LAU, 2015). Ele também aprofundou sua relação pessoal e institucional com intelectuais da China, especialmente com Wen Tiejun, Sit Tsui, Kin Chi Lau e suas equipes de pesquisa nas Universidades de Renmin e do Sudoeste; na Índia, na Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), com Praveen Jha, Utsa Patnaik, Prabhat Patnaik, Jayati Ghosh, C.P. Chandrasekhar, Archana Prasad e outros membros do corpo docente do Centro para Estudos Econômicos e Planejamento (CESP) e o Centro para o Estudo do Setor Informal e do Trabalho (CISLS), como também Sandeep Chachra, na ActionAid; no Japão, com Yoichi Mine da Escola de Graduação de Estudos Globais da Universidade Doshisha; e no Brasil, com Paris Yeros, da Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e da Universidade Federal do ABC em São Paulo (UFABC), com Marcelo Rosa da Universidade Federal Fluminense (Fluminense, UFF) e Brasília (UNB), e Francesco Pierri do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Sam também manteve fortes relações com membros de faculdades e instituições nos Estados Unidos, especialmente com Bill Martin da Universidade do Estado de Nova Iorque em Binghamton e Beverly Silver na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore.
Em paralelo a seu trabalho no CODESRIA, Sam começou a costurar o que viria a se tornar a Rede Sul Agrário (ASN),utilizando-se de todas as redes acima. Um aliado chave no continente foi Issa Shivji, que apoiou Sam em seus esforços de construir a rede do AIAS, tendo fundado em 1994 a Hakiardhi, uma organização de defesa dos direitos à terra na Tanzânia, em cujo comitê consultivo Sam também serviu. Eles partilhavam uma apreciação profunda pela questão da terra, a necessidade de defender a perspectiva radical Pan-africanista, e a disposição de criar alianças Sul-Sul. O primeiro marco foi o lançamento do programa da anual Escola de Verão Sul-Sul, em 2009, em Harare, que se tornaria a alma da rede. É onde as ideias de pesquisa atuais têm sido debatidas anualmente entre um grupo de jovens e veteranos pesquisadores, juntamente a ativistas de movimentos sociais. Muitos dos participantes têm retornado ano após ano para criar uma experiência coletiva de aprendizado cumulativo. A Escola de Verão apoiou-se nos parceiros Sul-Sul mencionados acima, especialmente em Praveen Jha, da Índia, e Paris Yeros, do Brasil, mas seu centro de gravidade permaneceu na África, entre associados, incluindo Issa Shivji, Ng’wanza Kamata, Marjorie Mbilinyi, e pesquisadores jovens e ativistas da Universidade de Dar es Salaam e Hakiardhi; Dzodzi Tsikata, Kojo Amanor e estudantes pós-graduandos da Universidade de Ghana; Lungisile Ntsebeza, Horman Chitonge e Fred Hendricks das Universidades de Cape Town e Rhodes, na África do Sul, mais ativistas da Fundação para Extensão Comunitária e Educação (TCOE),especialmente Mercia Andrews.
Outro marcador na construção da rede foi a trilogia de publicações tricontinentais sob o rótulo de “Recuperação” (Reclaiming), produzida a partir de iniciativas de pesquisa lançadas pelo AIAS em sua concepção, em 2002. A primeira pesquisa tricontinental buscou avaliar o crescimento dos movimentos rurais sob o neoliberalismo ao longo do Sul e situar em seu interior a experiência do Zimbabwe. O resultado foi Reclaiming the Land: The Resurgence of Rural Movements in Africa, Asia and Latin America [Recuperando a Terra: A Ressurgência de Movimentos Rurais na África, Ásia e América Latina] (MOYO e YEROS, 2005),um livro comparativo sobre movimentos sociais rurais nos três continentes, o primeiro desse tipo desde o desencadeamento do neoliberalismo. Duas conclusões do livro são dignas de nota: primeiro, que a crise agrária cade ves mais profunda e a migração rural-urbana experimentada sob o neoliberalismo não haviam colocado fim às questões fundiárias e agrárias mas, sim, agravaram-nas; segundo, que a emergência dos movimentos rurais sob o neoliberalismo foi extensa, e eles tornaram-se centros de organização do campesinato semiproletarizado e trabalhadores rescindidos das minas e das áreas urbanas.
Um segundo projeto de pesquisa tricontinental foi lançado em 2007, agora focado nos novos nacionalismos que estavam emergindo no Sul, frequentemente ligados a movimentos rurais. Novamente, a experiência do Zimbabwe exigiu trabalho comparativo mais abragente, dado que diversas experiências de radicalização estavam surgindo e enfrentavam dilemas semelhantes. Esse projeto comparativo resultou na publicação do Reclaiming the Nation: The Return of the National Question in Africa, Asia and Latin America [Recuperando a Nação: O Retorno da Questão Nacional na África, Ásia e América Latina] (MOYO e YEROS, 2011),que, novamente, alcançou algumas conclusões dignas de nota: primeiro, que sob o neoliberalismo, integração global e desintegração nacional eram dois lados da mesma moeda; segundo, que a diferenciação das trajetórias de países no Sul estava avançada, com alguns conseguindo “emergir”, até mesmo estabilizar-se temporariamente sob condições subalternas, enquanto outros sucumbiram à fragmentação ou ocupação estrangeira e, na contracorrente, um punhado de pequenos países periféricos entraram num período de radicalização. De novo, esse livro não tinha igual naquele momento.
Um terceiro projeto tricontinental foi lançado no fim da década, focando no imperialismo, na acumulação primitiva e na apropriação de terras. O livro de Issa Shivji, Accumulation in an African Periphery [Acumulação em uma Periferia Africana] (2009b),já havia dado o tom. De fato, esse conjunto de preocupações abriram campo para um número de colaborações de pesquisa e publicações cada vez mais próximas com colegas na JNU em Nova Déli. Sam publicou um livro com Utsa Patnaik em 2011 com um prefácio escrito por Issa Shivji, intitulado The Agrarian Question in the NeoLiberal Era [A Questão Agrária na Era Neoliberal] (PATNAIK e MOYO, 2011); ao longo dos próximos anos, o trabalho de Utsa Patnaik e Prabhat Patnaik se tornaria uma grande referência para Sam (ver PATNAIK e PATNAIK, 2017). Adicionalmente, Sam escreveu em co-autoria com Praveen Jha e Paris Yeros vários artigos sobre a agricultura africana e temas globais, desde o imperialismo contemporâneo e a questão agrária (MOYO, YEROS e JHA, 2012; MOYO, JHA e YEROS, 2013, 2016), às reservas globais de trabalho (JHA, MOYO e YEROS, 2017) e ao campesinato na África (MOYO, YEROS e JHA, 2018). Dois deles apareceram em livros dedicados à vida e trabalho de Utsa Patnaik e Prabhat Patnaik. Sam foi arrebatado de nós em 2015 durante uma conferência na JNU, justo quando essa reforçada relação tricontinental estava ganhando vigor.[2]
O livro final da trilogia foi publicado postumamente e com grande atraso em 2019, intitulado Reclaiming Africa: Scramble and Resistance in the 21st Century [Recuperando a África: Corrida e Resistência no Século XXI] (MOYO, JHA e YEROS, 2019). Ele foi o resultado bem provavelmente do maior esforço sustentado e colaborativo no Sul para avaliar a nova corrida por terras na África. Diferente de outras iniciativas, essa buscou evitar as armadilhas de abordagens teóricas problemáticas sobre imperialismo e acumulação primitiva e de teorias liberal-institucionalistas de “regimes alimentares” emanando do Norte, que já haviam recebido atenção crítica (MOYO e YEROS, 2005; MOYO, YEROS e JHA, 2012; YEROS, 2012). O foco empírico mais detalhado do livro foi dava sobre os novos players “emergentes” dentre os países semiperiféricos do Sul e sobre várias experiências nacionais na África.
Toda essa experiência de Escolas de Verão anuais e colaboração tricontinental gerou uma rede substancial e crescente, novamente, a única do tipo no mundo. Talvez ainda mais importante, muitos(as) jovens estudiosos(as) que participaram regularmente da Escola de Verão concluíram seus estudos de pós-graduação e passaram a publicar pesquisas importantes, que, sem dúvida, representam marcas registradas da Escola de Verão. Conforme for, podemos por certo falar de uma “escola de pensamento” sendo cultivada. Além da equipe interna do AIAS, mencionada anteriormente, outros, há muito associados à Escola de Verão, completaram suas teses de doutorado durante esses anos para se tornarem exemplos de excelência, incluindo nada menos do que Lyn Ossome, Ricado Jacobs, Rama Salla Dieng, Manish Kumar e Santosh Kumar.
Finalmente, a fundação da revista Agrarian South em 2012, foi outro marco. Publicada em Nova Déli pelo Centro para Pesquisa Agrária e Educação para o Sul (CARES), administrado por Sandeep Chachra, e Sage Publications India, Sam foi seu editor-chefe fundador. A revista entrou em sinergia com a Escola de Verão para fornecer um espaço de publicação para jovens e veteranos(as) envolvidos nas deliberações da rede, mas também para estudiosos e estudiosas pelo mundo, especialmente aqueles e aquelas situados(as) em regiões do Sul. A revista adotou um formato tricontinental para seu time editorial, e deu voz a preocupações de pesquisa que ou não aparecem nas revistas do Norte ou estão sujeitas a abordagens que estão distantes das tradições intelectuais do Sul. Sua declaração editorial inaugural expressou a diferença em tom e substância:
A questão agrária continua a evoluir. Ela certamente permanece uma questão da soberania nacional, sob condições de uma nova disputa. Ainda diz respeito à junção do martelo e da foice; mas ambos agora sofreram mutação. A questão da terra em si adquiriu novos significados. E é, mais empaticamente do que nunca antes, uma questão de equidade de gênero e sustentabilidade ecológica. (EDITORIAL, 2012: 9, tradução nossa)
Meio século após a descolonização política generalizada, ainda é difícil encontrar uma revista tricontinental desse tipo. Ela é, possivelmente, a única na atualidade em circulação com essas características, ou seja, uma revista da pesquisa científica com um formato editorial tricontinental, comprometida em construir solidariedade tricontinental e avançar nas tradições intelectuais do Sul.
Princípios de soberania epistêmica
Seríamos negligentes se desistíssemos de tirar maiores conclusões epistemológicas da trajetória de Sam, e das experiências que compartilhamos como amigos, colegas e companheiros. À título de conclusão, indicamos brevemente um conjunto de princípios que emergem do nosso modo de produção de conhecimento.
Há algum tempo, Paulin Hountondji (1990:9) ressaltou que “em nossos países, a atividade científica permanece basicamente extrovertida, alienada e dependente de uma divisão internacional do trabalho que tende a tornar a invenção científica um monopólio do Norte, enquanto confinando os países do Sul à importação e aplicação dessas invenções”. Ele foi além, indicando “treze indícios de dependência científica”, todos os quais foram bem pertinentes a nossa própria luta por soberania epistêmica. A maioria deles foi tratada acima, de uma forma ou de outra, e, para a maior parte, o trabalho que Sam realizou ao longo da vida certamente recebe alta pontuação! Mais recentemente, algumas reflexões adicionais têm sido oferecidas por Mahmood Mamdani, Issa Shivji e Sabelo Ndlovu-Gastheni.
Mamdani tem traçado a evolução da produção de conhecimento na África – o principal local de formação intelectual de Sam – e fez uma distinção entre o “intelectual público” do CODESRIA e o “estudioso sábio” (scholar) com o qual o CODESRIA, na visão de Mamdani, tem tido problemas para se reconciliar. Segundo o autor, ambos são considerados “persona diferente”: o primeiro trabalhando “mais próximo ao chão” e o segundo com “aspirações universalistas” (MAMDANI, 2016: 79). O último é distinto, ele sugere, por endereçar “a questão epistemológica da descolonização”, o que é “focada nas categorias com as quais fazemos, desfazemos e refazemos, portanto apreendemos, o mundo. Está intimamente conectada às nossas noções do que é humano, o que é particular e o que é universal” (ibid.: 79, tradução nossa). Esse debate, Mamdani lamenta, não encontrou espaço no CODESRIA do intelectual público, o tipo que “jurou lealdade” à economia política. E, apesar dele admitir que não há distinção rígida e fácil entre as duas personas, e que, de qualquer forma, a onda neoliberal transformou o intelectual público em mais “uma engrenagem na corrente”, ele sugere que o “intelectual público” do passado foi incapaz de mergulhar em questões epistemológicas acadêmicas, entendidas como aquelas a respeito do “discurso e representação”.
Esse fio de pensamento exigiria um explorar lento, mas basta notar aqui que tal distinção tem sido questionada por Shivji (2018). Enquanto Shivji concorda que o “intelectual público” de hoje é um intelectual orgânico ao neoliberalismo – a governos, burocracias das universidades, mídia corporativa e mídias sociais – ele sugere que intelectuais que formaram a base do que foi descrito aqui como tradição Pan-Africanista de economia política, incluindo aqueles e aquelas associados(as) com o CODESRIA, não foram polarizados(as) pela distinção acima. A questão fundamental foi como se engajar em lutas ideológicas em defesa dos interesses das classes oprimidas e exploradas. Isso trouxe muitos(as) para “mais próximo ao chão”, mas de forma alguma foi contrário ao “foco nas categorias com as quais fazemos, desfazemos e refazemos, portanto apreendemos o mundo”. Podemos acrescentar que a questão colocada por Shivji tem exigido pleno engajamento com assuntos de discurso e representação, que, afinal, sempre foram inerentes à “crítica da economia política”, nos termos de Marx, apesar das conhecidas limitações do cânone europeu e economicista.
Sam, por exemplo, nunca voltou as costas para as questões de discurso e representação. Ele se engajou com elas em seus próprios termos, não aqueles impostos pelo Ocidente ou pelo giro cultural. O trabalho de Sam sobre o colonialismo de assentamento no Zimbabwe foi inteiramente voltado para desbancar as mitologias da supremacia branca. A real questão era o método. Ele estava certo que a crítica do discurso e representação não poderia simplesmente ser destacada das condições materiais e aspirações do povo trabalhador da África; fazer desse modo significaria mover para uma plataforma liberal, que, novamente, era o terreno preferido do imperialismo (ver Amanor, 2020). Ao mesmo tempo, Sam não tinha dúvidas que ele e aqueles(as) dos(as) quais ele buscou inspiração eram propriamente “estudiosos sábios(as)” no senso de Mamdani, ou seja, comprometidos(as) em desmascarar as pretensões universalistas do Ocidente e em buscar definir o que era particular sobre a África, até mesmo para o Sul (ver SCOONES, 2016; MARTIN, 2016). Ele também permaneceu orgânico às causas populares; de fato, não havia exponente mais sofisticado sobre a causa da ocupação de terras no Zimbabwe do que o próprio Sam.
Ndlovu-Gatsheni acrescentou a essas reflexões uma extensiva afirmação sobre a “liberdade epistêmica” na África, o que ele define como o seguinte:
Liberdade epistêmica é diferente de liberdade acadêmica. Liberdade acadêmica diz respeito à autonomia institucional das universidades e direitos de expressar diversas ideias, incluindo aquelas críticas às autoridades e líderes políticos. Liberdade epistêmica é muito mais ampla e profunda. Diz respeito à justiça cognitiva; ela chama-nos atenção para o conteúdo do que se é livre para expressar e em quais termos… é sobre democratizar “conhecimento” da versão atual no singular para sua conhecida versão no plural, “conhecimentos”. (NDLOVU-GASTCHENI, 2018: 4, tradução nossa).
Há dois problemas com essa conceitualização. Primeiro, liberdade epistêmica assim definida não endereça as condições materiais da produção de conhecimento, que exerce influência sistemática sobre o que “somos livres para expressar e em quais termos”. Essas são precisamente as condições materiais mais enfaticamente negadas pela reestruturação neoliberal. A questão da justiça cognitiva, portanto, precisa ser fundada numa luta para o estabelecimento de autônoma e viável infraestrutura científica. Essa, afinal, foi a missão de vida de Sam. O desafio permanece o do controle da produção de conhecimento, o que, por sua vez, é uma questão não de liberdade epistêmica como tal mas de soberania epistêmica.
Segundo, além das condições materiais para justiça cognitiva, há também seu conteúdo. Pois, é bastante normal que o conteúdo seja deficiente mesmo quando as condições materiais são favoráveis. Essa, afinal, é a situação nos centros da produção de conhecimento no Norte, e, em menor medida, nos países semiperiféricos e de assentamento colonial no Sul. Justiça cognitiva ainda se requer estar “mais próxima ao chão”, orgânico às batalhas de libertação e respeitoso em relação às tradições intelectuais que as batalhas desovaram. Pois é comum que as lutas de libertação sejam idealizadas e apropriadas por novas tendências teóricas que emanam das academias do Norte, apenas para serem realimentadas no Sul, mas fácilmente por meio dos Estados de assentamento colonial. O ponto de partida (ou “lugar de fala”) não pode deixar de ser o corpo de pensamento produzido ao longo do tempo pelas lutas de libertação. Como tal, nem românticas “epistemologias do Sul” (DOS SANTOS, 2014), nem redescobertas “decoloniais” culturalizadas do mundo moderno (MIGNOLO, 2007; GROSFOGUEL, 2007) são suficientes para a tarefa.
A diferença entre liberdade e soberania epistêmica não está no detalhe. O que emerge da visão e da luta construídas ao longa da vida de Sam são alguns princípios concretos. Num nível material mais básico, o exercício da soberania sobre a produção de conhecimento requer capacidade autônoma para ensinar, pesquisar e publicar; ou seja, infraestrutura científica autônoma. Isso implica a defesa de centros do ensino superior públicos e adequadamente financiados no Sul, assim como a quebra de monopólios na indústria da publicação que restringe o fluxo de ideias do Sul ao Norte.
Num nível ideológico, há o requerimento de exercício de soberania sobre as trajetórias intelectuais do Sul, especialmente do Pan-africanismo e de Bandung. Soberania neste sentido é fundamental para o avanço e renovação dessas tradições no século XXI, e para proteção contra o que Jacques Depelchin (2004) denominou de as síndromes da “descoberta” e da “abolição”. Esse tipo de soberania tem alguns requerimentos adicionais. Um é o reconhecimento da autoria coletiva ou reconhecimento dos(as) precursores(as) intelectuais, que é em si um ato de defesa da autoria contra a apropriação. Há também o requerimento de estar ancorado na análise das condições materiais do mundo moderno. Se nosso dever como intelectuais é “interpretar o mundo para mudá-lo”, não há escape do materialismo histórico. Isso precisa ser mantido vivo, sendo colocado a serviço da luta anti-imperialista e de libertação.
Finalmente, há a exigência de construir solidariedades ao longo do Sul para reforçar a capacidade de contestar coletivamente o eurocentrismo das ciências sociais e para aprimorar as habilidades para a análise de todas as regiões do Sul, comparativamente e colaborativamente. Se obter universalidade permanece sendo o dever histórico fundamental, e se isso requer averiguar particularidades, ambos são fundamentalmente exercícios comparativos e colaborativos. Está, do mesmo modo, na base de efetiva solidariedade Sul-Sul que pontes fortes possam ser construídas com a academia no Norte. Um feito raro de Sam foi estabelecer as condições para uma solidariedade tricontinental cujo centro de gravidade permanecesse na África.
Seu feito ainda maior foi colocar tudo isso em movimento sem fazer inimigos pessoais. Pode-se lembrar o elogio de Engels a Marx ao lado do túmulo: “Eu ouso dizer que, embora ele possa ter tido muitos oponentes, dificilmente ele tinha um inimigo pessoal”.[3] Isso certamente se aplica ao irmão Sam. Que ele descanse em paz.
Referências
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[1] Veja contribuições no comemorativo CODESRIA Newsletter, 28 de novembro de 2015, https://www.codesria.org/spip.php?article2489&lang=en; os artigos na edição especial da revista Agrarian South: Journal of Political Economy, ‘Remembering Sam Moyo: Intellectual Formation and Contributions’ [Lembrando Sam Moyo: Formação Intelectual e Contribuições] (2016, vol. 5 (2–3), alguns dos quais foram republicados no livro Rethinking the Social Sciences with Sam Moyo; e Tsikata (2017), também republicado no mesmo.
[2] Faleceu em 22 de novembro de 2015 em Nova Déli, aos 61 anos, em decorrência de ferimentos sofridos em acidente de trânsito.
[3] Frederick Engels no túmulo de Karl Marx, Cemitério Highgate, Londres, 17 de março de 1883, https://www.marxists.org/archive/marx/works/1883/death/burial.htm, acesso 4 de novembro de 2019, tradução nossa.
[1] O presente artigo foi previamente publicado em inglês sob o título “The Quest for Epistemic Sovereignty in the South: A Tribute to Sam Moyo, em Rethinking the Social Sciences with Sam Moyo [Repensando as Ciências Sociais com Sam Moyo], livro organizado por Praveen Jha, Paris Yeros e Walter Chambati (Nova Déli: Tulika Books, 2020, pp. 1–26). Agradecemos a Dzodzi Tsikata e Issa Shivji por seus comentários na elaboração desta homenagem.
[2] Praveen Jha é professor no Centro para Estudos Econômicos e Planejamento e no Centro para o Estudo do Setor Informal e do Trabalho na Universidade Jawaharlal Nehru, Nova Déli, Índia. Paris Yeros é professor nos cursos de Ciências Econômicas, Ciências e Humanidades e Economia Política Mundial na Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo. Walter Chambati é Diretor Executivo do Instituto Africano Sam Moyo para Estudos Agrários, Harare, Zimbábue.